Hoje em dia é muito comum a reclamação de pais e professores sobre a motivação e foco das crianças. Para a maioria dos adultos com trinta anos ou mais, a comparação de como seus filhos ou familiares crianças geralmente são na atualidade, é um contraste gritante comparado com aquilo que eles lembram de suas próprias infâncias. Será que isso é realmente verdade?
Quando falamos de motivação, temos que falar de um neurotransmissor específico, chamado dopamina. Ele é o neurotransmissor do humor, sensação de prazer e motivação. É justamente sobre a dopamina que trataremos hoje.
Então as crianças atualmente estão com pouca dopamina? O que está acontecendo?
Para entendermos isso, temos que lembrar da nossa própria infância. Quem foi criança na década de noventa, ou antes disso, lembra que havia menos recursos para interação e diversão do que se tem hoje em dia. Para se marcar uma brincadeira, era necessário ir na casa dos amigos, chamar um por um. As atividades geralmente ficavam nas brincadeiras típicas de criança, como pega-pega e esconde-esconde. Durante essas atividades o sistema de recompensa do cérebro liberava a dopamina, pois o passatempo trazia prazer. Nos cansávamos, fazíamos pausas, e assim seguíamos o dia todo, intercalando brincadeiras.
Hoje em dia está tudo mais dinâmico. Para se falar com alguém basta ter em mãos um smartphone, e conseguimos enviar mensagens para dezenas de pessoas em minutos. Uma criança pode estar com seu grupo de amigos em um aplicativo de conversas, falando com vários ao mesmo tempo, ou então pode estar em um jogo online com dezenas ou centenas de pessoas ao mesmo tempo. Isso ativa o sistema de recompensa dessa criança, sendo liberado constantemente dopamina em seu sistema nervoso. Enquanto a geração nascida na década de noventa para trás tinha que ir nos amigos, o que levava tempo, reunir a todos, organizar as brincadeiras e só então brincar, as crianças de hoje tem dezenas de opções dentro da sua própria casa. Em um jogo de battle royale, por exemplo, há uma disputa tão frenética e com tantas partidas uma seguida da outra, que uma criança tem uma descarga de dopamina tão grande em um período de poucas horas, que é uma quantidade que as crianças de décadas anteriores levavam dias ou semanas para produzirem.
Dadas essas circunstâncias, a falta de motivação de muitas crianças hoje não é uma falta de dopamina, mas sim o excesso dela.
Criando tolerância à dopamina
Você conhece aquele princípio de que um remédio, quando consumido por um longo período, pode acabar tendo seu efeito diminuído, sendo necessário que sua dosagem seja reajustada?
Com a dopamina acontece algo muito similar. Quanto mais se tem dela, mais tolerante a ela pode-se ficar, o que exige uma dose cada vez maior para se sentir os mesmos efeitos de prazer. Quando éramos crianças, tínhamos um ambiente em que a dopamina era liberada em situações muito particulares, que exigiam tempo e não estavam disponíveis a todo momento. Já hoje em dia, o estímulo está dentro de casa a todo momento, com o smartphone, videogame, dezenas de canais de TV e streaming diferentes. Com isso, a maioria das crianças cresce superestimulada, com dopamina sendo frequentemente liberada em seus cérebros, então, quando estão em atividades onde o nível dopaminérgico atua em quantidade como as crianças de antigamente experimentavam, as de hoje se sentem desmotivadas. Daí pode estar vindo a desmotivação para brincadeiras ao ar livre, para os estudos, ler livros e aprender outras coisas: essas atividades não liberam dopamina tão freneticamente quanto um jogo online, ou a conversa com quinze amigos no grupo de mensagens no telefone.
Quem aqui nunca se deparou com o discurso de que um jovem é ativo para ficar no telefone, game ou computador o dia inteiro, mas que não demonstra o mínimo interesse em fazer outras coisas que não envolvam a tecnologia? Isso acontece justamente pois o cérebro dessa criança está sendo treinado para reagir a estímulos de dopamina frequentes, e não à atividades onde a sensação de prazer e motivação não apareça imediatamente.
Percebo que a criança só se motiva com esse estímulo frequente da tecnologia. O que fazer?
Em casos onde as crianças já estão acostumadas com a descarga constante de dopamina, o que é necessário que o adulto responsável faça é ter calma. O nível de dopamina pode ser reorganizado com ações simples, mas que exigem comprometimento. É lógico que cada caso exige uma intervenção particular, e um processo de acompanhamento psicológico com um profissional de saúde mental pode ajudar bastante, pois ele poderá entender exatamente quais são os gatilhos que estimulam a criança.
Para conduzir o nível de dopamina a índices adequados, deve-se diminuir aos poucos os estímulos frequentes, como jogos, smartphones e telas em geral. É lógico que a tecnologia sempre vai estar presente, só que ela deve ter um tempo específico de uso, limitado pelo adulto. No restante do dia, a criança aprenderá que a sensação de prazer e motivação pode ser obtida por meio de brincadeiras, de esportes, de leitura de livros etc. Assim, a criança vai reprogramar o cérebro para se sentir bem por meio de atividades que exijam uma ação de movimento dela, e não uma motivação que dependa apenas de se apertar um botão em algum aparelho. É lógico que, além da diminuição do uso de aparelhos que superestimulam a produção de dopamina, o papel do responsável é fundamental, pois é justamente esse fator de interação que a criança precisa. O adulto responsável precisará estar presente, dando carinho e atenção, instruindo a criança, pois é disso que ela precisa.
Na dúvida, lembre-se de como você era quando criança e nas coisas que fazia para se sentir feliz e ter motivação, e tente com que a criança faça as mesmas coisas, ou equivalentes àquelas. Participe com ela das brincadeiras e atividades, assim certamente a criança sentirá muito mais motivação, vitalidade e estará mais feliz!