Por mais que receber algo dos outros, como um elogio ou um presente, pareça algo simples, muitas pessoas têm essa dificuldade. Pode se mostrar um desafio imenso para algumas pessoas o ato de receber uma ajuda, mesmo em um momento de dificuldade. Mas por qual motivo isso é um desafio grande para algumas pessoas?
Um dos motivos que a psicanálise explica sobre a dificuldade de uma pessoa em receber afeto está relacionado à autoestima e à autoconfiança. Pessoas que sofreram muito e que cresceram em um ambiente hostil podem sentir dificuldades em aceitar o carinho alheio, seja ele por meio de palavras, presentes ou atos, pois se julgam não merecedoras daquilo. Uma pessoa que se julga auto suficiente também pode sentir dificuldades em receber, pois já pensa que não lhe falta nada ou então que tudo o que vem do outro é pequeno em relação ao que ela realmente merece receber.
O ato de receber vem da compreensão de que não temos tudo e que sempre nos falta algo. Precisamos de afeto, amizade, ternura, etc., pois isso faz parte da nossa estrutura humana e psíquica. Quando uma pessoa nos dá algo, não significa que temos falta daquilo em si, mas sim dos fatores afetivos que envolvem o ato, como amor e amizade, que não são coisas fixas. Para ilustrar, se uma pessoa tem um carro na garagem, mesmo que não o utilize, ela já tem um carro na garagem. Não é necessário outro carro na garagem para ela ter um carro.
Já com os afetos as coisas são diferentes e, dando outro exemplo, vou utilizar a amizade. Você pode ter um amigo, mas não basta o amigo ficar na casa dele e você saber que tem um amigo. Essa amizade precisa ser vivida por meio de atos, pois é necessário cultivá-la por meio de convivência e ações. Por mais que haja companheirismo nessa amizade, é necessário que, por meio da convivência, sejam ofertadas, de um para o outro, ações de companheirismo, pois isso é próprio da amizade. Tanto é que, se ficamos alguns dias sem ver esse amigo, é natural entrarmos em contato para fazermos algo juntos, pois não basta ter o amigo, mas sim compartilhar as coisas boas contidas nessa amizade. Por isso, sentimos falta, pois sempre nos falta algo.
Se é o seu aniversário e alguém vem lhe dar uma blusa de presente, essa pessoa não está necessariamente achando que você precisa de uma blusa, mas sim que é bom para você receber o afeto e a consideração contidos na entrega do presente. O mesmo vale para quando você compra um presente para alguém. Na maioria das vezes, você não dá algo que a pessoa necessita ou que ela não tenha condições de ter, mas sim algo que você pensa que irá trazer felicidade a ela. Utilizando o exemplo da blusa, você não entra na loja e simplesmente pede uma blusa que sirva na pessoa, mas você considera a cor, o modelo e outras características da peça que você pensa que agradarão aquela pessoa.
Por mais que essa pessoa tenha outros amigos, cônjuge, filhos e receba o carinho de todos eles, ela ainda precisa desse carinho. Como amigo, você é mais uma dessas pessoas que contribuem para a felicidade dela e oferece aquilo que ela precisa.
Muitas pessoas dizem que é melhor dar do que receber, sendo essa uma frase muito conhecida por todos. Mas é preciso cuidado com essa frase, pois muitas vezes a pessoa que pensa que é melhor dar do que receber o faz por se sentir superior aos outros, achando que não precisa de nada e que os outros precisam, pois são inferiores a ela. Aprender a receber é um ato de humildade. Não é a humildade de se diminuir ou de se auto menosprezar, mas sim a compreensão de que não temos tudo e que precisamos das outras pessoas. Uma vida solitária é uma vida triste, e o ser humano não nasceu para ficar sozinho.
Quando aceitamos que precisamos ser acessados pelo amor do outro, também compreendemos que o outro também precisa do nosso amor, e é aqui que entra um fator fundamental deste artigo. Imagine quando alguém direciona a nós um elogio. Ao receber aquele elogio com sinceridade, além de receber o afeto da pessoa, também recebemos a compreensão da nossa própria capacidade. Se formos elogiados por um ato de nobreza, coragem ou por termos feito um bom trabalho, isso é um indicativo de fatores positivos em nós que podemos oferecer aos outros. Da mesma forma, devemos estar abertos para receber dos outros o que há de melhor neles, para que assim possamos integrar isso em nós mesmos e nos desenvolvermos ainda mais como seres humanos.
Aprender a receber é um ato contínuo, que exige que olhemos para coisas muito mais profundas do que o objeto ou ato em si, tanto em nós como nos outros. Da mesma forma que muitas coisas da vida exigem de nós que assumamos as responsabilidades sozinhos, que vamos lá e resolvamos as coisas, temos que estar abertos para receber o que vem do outro, pois essa troca entre as pessoas, principalmente entre aquelas com vínculos mais próximos, é parte fundamental da própria vida.
Assim, aprender a receber é uma capacidade que pode estar ligada a fatores de autoestima e autoconfiança que devem ser trabalhados pela pessoa. O processo psicanalítico pode auxiliar nessas questões, para que a pessoa compreenda melhor os seus processos emocionais e afetivos e possa viver uma vida plena. Aprender a receber não está ligado à dependência, mas sim à gratidão e ao reconhecimento de que somos seres sociais.