Não é incomum as pessoas desejarem realizar mudanças. Podemos até brincar, dizendo que segunda-feira é o “Dia Mundial da Mudança”, quando muitos começarão a implementar mudanças que impactarão profundamente suas vidas. Tão natural quanto desejar a mudança é desistir dela no início ou no meio da jornada, ou pior, nunca sair do papel. Mas as ansiedades e a vontade de mudança estão diretamente ligadas ao que consumimos e como consumimos, e não me refiro apenas à alimentação, mas sim ao que consumimos em geral, pois isso impacta profundamente nossas vidas.
Como já mencionei antes, é importante ter algumas bases sólidas, como a hidratação, a alimentação e a prática de exercícios físicos, pois tudo isso contribui muito para a saúde mental. Mas e as outras coisas, você tem dado atenção a elas?
É bastante comum os pacientes dizerem que não têm motivos para estarem infelizes, mesmo se sentindo assim. Eles afirmam que suas vidas estão boas e que não há grandes males. Em muitos casos, exames clínicos descartam deficiência de algum hormônio ou vitamina que possa estar causando o mal-estar. Mesmo depois de procurar uma resposta e não encontrar nada que justifique, a pessoa continua se queixando de uma tristeza que muitas vezes é profunda.
Quase toda a sociedade entrou em um momento mais acelerado da vida, onde milhares de informações são jogadas ao mesmo tempo sobre qualquer pessoa, e basicamente as pessoas se desacostumaram a fazer uma única coisa de cada vez. Criou-se uma mentalidade de superprodução ou melhor aproveitamento do tempo, onde tudo deve ser aproveitado ao máximo. Muitas pessoas, por exemplo, não conseguem apenas sentar e ouvir uma música sem fazer mais nada em conjunto. Isso parece ser uma perda de tempo. A música deve ser consumida enquanto se faz outra atividade, para que a pessoa esteja sendo multitarefa. Um filme ou documentário deve ser assistido enquanto se responde a e-mails ou se realiza qualquer outra tarefa no computador ou smartphone. Tudo se tornou hiperprodução.
Algumas pessoas chegam até mesmo a assistir a vídeos diversos utilizando a capacidade de aceleração que algumas plataformas disponibilizam. É algo similar a acelerar o áudio do WhatsApp, só que em diferente escala, “ganhando tempo” com isso. Por exemplo, um filme que originalmente tem uma hora e cinquenta minutos, pode ter sua exibição acelerada, sendo possível assisti-lo totalmente em um tempo vinte minutos menor do que a exibição sem o recurso de acelerar.
Outro aspecto que podemos observar é a superexposição. Usando a leitura como exemplo, sabemos que o hábito de ler é extremamente benéfico, mas até mesmo isso pode ser feito de maneira errada. Não é incomum encontrar alguém que diz ter lido 10 livros em um mês, ou mais de 100 livros em um ano. Isso, à primeira vista, parece maravilhoso. No entanto, ao investigar um pouco e questionar a pessoa sobre o conteúdo dessas leituras, não é incomum perceber que ela não consegue explicar praticamente nada sobre esses livros além de questões muito básicas, e que na verdade não absorveu nada de significativo de nenhuma obra, pois não dedicou tempo para refletir sobre o que leu e para entender suas premissas e conceitos. É muito mais útil ler 6 livros no ano e compreendê-los profundamente do que ler mais de 100 livros e obter apenas conceitos superficiais.
Outro exemplo comum que observamos é um cenário similar durante viagens de férias. As viagens deveriam ser momentos para descansar, aproveitar o tempo, conhecer novos lugares com calma e relaxar a mente. No entanto, não é incomum as pessoas decidirem seu destino e elaborarem um roteiro de viagem que inclua conhecer mais de algumas dezenas de locais e ambientes diferentes, não priorizando a contemplação, mas sim a quantidade, e não aproveitando nada de forma realmente substancial.
Tudo isso tem contribuído para aumentar a ansiedade das pessoas, que se sentem agitadas frequentemente, como se nunca tivessem aproveitado nada de fato ou descansado o suficiente. Nisso chego na ideia do começo deste artigo: todos querem mudar suas vidas, fazer novas coisas, mudar suas realidades, mas elas pecam em coisas que aparentemente são triviais, que, sem perceber, acabam causando um estado mental tão cansativo que as impedem de por em práticas as mudanças que precisam.
Estão tão no automático, até mesmo nos momentos de lazer, que quando se deparam com mudanças que envolvem o desconhecido, que as tiram desse ambiente multitarefa, não sabem como reagir, desistindo da mudança. Isso acontece porque mudar geralmente requer fazer planos com calma e depois colocá-los em prática. Muitas pessoas acabam agitando ainda mais suas mentes, especialmente durante os momentos de lazer, quando deveriam relaxar.
E você, qual foi a última vez que assistiu a um filme em casa de forma tranquila, sem se preocupar com o tempo de exibição, deixando o celular desligado e focando apenas na obra cinematográfica?
Qual foi a última vez que reproduziu um álbum musical de um artista que você gosta e apenas ouviu com calma, sem fazer mais nada ao mesmo tempo?
Quando foi a última vez que realizou alguma tarefa doméstica sem sentir a necessidade de colocar um som ambiente?
E qual foi a última vez que saiu para caminhar, apenas pensando em fazer um trajeto e voltar para casa, sem usar a oportunidade para “aproveitar e fazer várias outras coisas no caminho”?
Um dos bons remédios para a ansiedade é focar em uma coisa por vez, principalmente naquilo que gostamos, e aproveitar de fato esse momento.
É claro que produzir bem e apresentar bons resultados é importante, ainda mais no mundo dinâmico de hoje. O problema surge quando levamos isso para todos os aspectos da vida, até mesmo para os momentos que deveriam ser de relaxamento e contemplação, momentos de lazer.
Até mesmo grandes empresas têm percebido que essa superexposição às coisas tem diminuído a produtividade de seus colaboradores, muitas delas adicionando programas onde os funcionários são incentivados a desligar e dedicar tempo a atividades como meditação e exercícios.
E você, é uma pessoa que está sempre fazendo várias coisas ao mesmo tempo, até mesmo durante o lazer, sentindo como se estivesse maximizando seu tempo? Saiba que isso pode se tornar um problema, aumentando sua ansiedade, pois você sentirá que seu tempo de descanso passou e que não aproveitou nada de verdade.
A forma como consumimos as coisas afeta diretamente nossa percepção do mundo. Sugiro que desconecte um pouco. Ao assistir um filme, faça isso sem distrações, sem ficar checando notificações no celular. Quando sair para caminhar, deixe o fone de ouvido de lado e aprecie o ambiente ao seu redor. Se optar por ouvir música, concentre-se nas letras e nas melodias, sem se envolver em outras atividades ao mesmo tempo. Se você gosta de ler, dedique-se a compreender profundamente as obras em vez de focar na quantidade de livros que pretende ler em um ano. Dessa forma, você desfrutará mais de cada experiência e provavelmente se sentirá mais feliz e realizado nos momentos de descontração.